byGicel

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Os homens sem ossos

Os homens sem ossos


Estávamos carregando o Claire Dodge de bananas, em Puerto Pobre, quando um homem pequeno e de aspecto febril subiu a bordo. Todos se afastaram para lhe dar passagem — até mesmo os soldados que guardam o porto, armados de rifles Remington e usando perneiras polidas, apesar de andarem descalços. Eles recuaram porque achavam que aquele homem era um possuído, um louco. Embora não fizesse mal a ninguém, era perigoso e o melhor que se poderia fazer era deixá-lo sozinho e em paz.

Os lampiões de nafta sibilavam e do porão vinha o grito estrondoso do capataz da turma que trabalhava lá embaixo:


— Fruta! Fruta! Fruta!


O chefe da turma que trabalhava no cais gritava a mesma coisa, enquanto seus homens iam jogando para o porão cachos e mais cachos de bananas verdes e brilhantes. Só isso bastaria para que a ocasião fosse memorável — a noite magnífica, o corpo luzidio do capataz negro refulgindo à luz dos lampiões, o verde com jade das bananas, os cheiros diversos do porto. De um dos cachos de banana saiu de repente uma aranha cinzenta e cabeluda que assustou a tripulação e interrompeu a cadeia de carregamento de banana, até que um garoto nicaraguano, com uma risada, matou-a com o pé, afirmando que era inofensiva.


Foi então que o louco subiu a bordo, sem que ninguém o impedisse, e perguntou-me:


— Vão para onde?


Falava com uma voz calma e cuidadosamente controlada, mas havia uma expressão vazia e perdida em seus olhos a me sugerir que eu devia ficar a uma distância cautelosa de suas mãos inquietas, que me faziam lembrar a aranha cinzenta e cabeluda que se alimentava de insetos.


— Mobile, no Alabama — respondi finalmente.


— Posso ir também?


— Isso não é comigo, sinto muito. Sou apenas um passageiro. O capitão está em terra. Acho melhor esperá-lo lá embaixo, no cais. Ele é quem decidirá.


— Será que, por acaso, tem alguma bebida aí com você? 


Dei-lhe um pouco de rum e perguntei:


— Por que o deixaram subir a bordo?


— Pensam que sou louco, mas não é verdade. Sinto um pouco de febre, nada mais. Deve ser malária, dengue, febre das selvas ou febre provocada por mordida de ratos. Este país, aliás, tem muitas febres, como os outros iguais a ele. Mas permita que eu me apresente: meu nome é Goodbody. Sou formado em Ciências pela Universidade de Osbaldeston. Isso significa alguma coisa para você? Não? Digamos então que eu era assistente do Professor Yeoward. E agora, está-se lembrando de alguma coisa?


— Yeoward? Professor Yeoward? Ah! Sim, agora me lembro. Não foi ele que se perdeu no meio da selva, em algum lugar acima das cabeceiras do Rio Amer?


— Exatamente! —  gritou  o  homem que dizia chamar-se Goodbody. — Eu estava com ele quando se perdeu.


Fruta! Fruta! Fruta! Fruta!, continuavam a gritar os homens que estavam no porão. Havia uma aparente rivalidade entre o capataz deles e o estivador negro que estava no cais. Os lampiões faziam barulho, as bananas verdes continuavam a ser jogadas de um lado para o outro. E uma espécie de suspiro maléfico chegou até nós, vindo da selva insalubre. Não era o vento nem uma simples brisa, mas algo semelhante à respiração pútrida da febre alta.


Tremendo de ansiedade e também com os calafrios da febre, o Dr. Goodbody tinha que segurar o copo com as duas mãos para  levá-lo aos lábios — e mesmo assim derramou a maior parte do rum. Implorou-me então:


— Pelo amor de Deus, tire-me deste país! Leve-me para Mobile, escondido em sua cabina.


— Não tenho autoridade para fazê-lo. Mas acho que, como cidadão americano, bastará identificar-se e o cônsul providenciará  sua volta para casa.


— Tem razão, mas isso levará muito tempo. O cônsul também pensa que estou louco. E, se não for embora logo, receio perder efetivamente o juízo. Será que não pode ajudar-me? Estou com muito medo.


— Ora, isso é uma tolice. Ninguém poderá fazer-lhe mal algum enquanto estiver por aqui. Afinal, está com medo de quê?


— Dos homens sem ossos!


Havia algo em sua voz que me arrepiou os cabelos da nuca.


— Os homenzinhos pequenos e gordos que não têm ossos! 


Enrolei-o num cobertor, dei-lhe um pouco de quinino e deixei que suasse e tremesse durante algum tempo. Perguntei, depois,   em tom de brincadeira:


— Que homens sem ossos são esses?


Ele respondeu aos arrancos, no delírio da febre, a razão vacilando entre a sanidade e a insanidade.


— Os homens sem ossos? Na verdade, não há razão para temê-los. Eles é que têm medo da gente. Podemos matá-los com um pontapé ou com uma paulada... Eles parecem feitos de gelatina. Não, não se trata realmente de medo... é nojo, é repugnância o que eles inspiram. É algo que domina, deixa a gente paralisado. Acredite ou não, mas vi um jaguar imenso ficar totalmente paralisado, enquanto eles se atiravam às centenas em cima dele e o devoravam vivo. Vi mesmo, não estou mentindo. Talvez seja algum suco que segregam, algum odor que desprendem... Não sei ao certo...


O Dr. Goodbody começou a chorar e acrescentou:


— Que terríveis pesadelos! É horrível pensar na degradação em que uma criatura nobre pode cair por causa da fome. É horrível!


— Não se trata de alguma forma degenerada de vida que encontrou na região além das cabeceiras do Amer? Alguma espécie de antropóide?


— Não, eles são homens mesmo. Acho que agora se está lembrando da expedição etnológica do Professor Yeoward.


— Ela se perdeu.


— Todo mundo, menos eu. Tivemos muito azar. Perdemos duas canoas nas Cachoeiras Anana, metade dos nossos suprimentos e a  maior parte dos instrumentos que levávamos. Perdemos também o Dr. Terry, Jack Lambert e oito dos nossos carregadores nativos.


“Logo depois chegamos ao território Ahu, onde os índios usam dardos venenosos. Mas fizemos amizade com eles e os convencemos a carregar nossos equipamentos para o oeste, através da selva... Todas as descobertas científicas começam com uma suposição, rumores, histórias contadas por comadres. O objetivo da expedição do Professor Yeoward era investigar uma série de histórias, contadas por diversas tribos de índios, que se ajustavam umas às outras. Eram lendas sobre uma raça de deuses que descera do céu numa grande chama quando o mundo ainda era bastante jovem...


“Pouco a pouco, analisando todas as lendas, o Professor Yeoward foi fazendo descobertas e acabou localizando a região de onde se originavam: um lugar inexplorado que nem nome tem, pois os índios se recusam a dar, considerando-o um lugar ruim.


Os calafrios haviam diminuído e a febre baixara. O Dr. Goodbody passou então a falar calmamente, de forma ordenada e racional. Deu uma risada e continuou:


— Não sei por que, mas sempre que tenho febre lembro-me daqueles homens sem ossos como se estivesse vivendo um pesadelo que volta sempre para encher-me de horror...


“Bem, fomos procurar o lugar onde os deuses haviam descido numa chama em plena noite. Os pequenos índios tatuados levaram-nos até a fronteira do território Ahu, puseram então os fardos no chão e pediram seu pagamento. Não houve argumento que os convencesse a continuar a viagem. Disseram que estávamos indo para um lugar muito ruim. O chefe, que em sua juventude fora um grande homem, disse-nos que já estivera lá e desenhou no chão, com um pequeno galho, um corpo oval com quatro pernas, no qual cuspiu antes de apagá-lo com o pé. Aranhas? perguntamos. Caranguejos? O que, então?


“Fomos forçados a deixar com o chefe o que não podíamos carregar, para apanharmos na volta, e prosseguimos sozinhos, Yeoward e eu, atravessando cinqüenta quilômetros da selva mais insalubre do mundo. Andávamos menos de um quilômetro por dia... é um lugar realmente pestilento. Quando este sopro fétido vem da selva, sinto o cheiro da morte e do pânico...


“Mas finalmente conseguimos chegar a uma colina e escalamo-la lentamente. Lá no alto vimos uma coisa maravilhosa. Devia ter sido uma máquina gigantesca. Originalmente devia ter o formato de uma pêra, tendo pelo menos trezentos metros de comprimento.


Na parte mais larga, o diâmetro devia ser de duzentos metros. Não sei de que metal fora feita, porque restavam apenas o arcabouço da fuselagem coberto de terra e os destroços de alguns mecanismos incrivelmente complicados a demonstrar a sua existência real. Não podíamos imaginar de onde viera, mas o impacto de sua aterrissagem abrira um grande vale no meio do platô.


“Era a descoberta do século, pensamos na ocasião. Era a prova irrefutável de que há muito tempo o nosso planeta fora visitado por gente vinda das estrelas. Num excitamento febril, Yeoward e eu fomos examinar aquela fabulosa ruína. Mas tudo o que tocávamos se desfazia, como se fosse apenas pó.


“Finalmente, no terceiro dia, Yeoward encontrou uma placa semicircular de um metal extraordinariamente duro, coberta com diagramas que nos eram familiares. Limpamo-la e durante vinte e quatro horas, quase sem parar para comer e beber, Yeoward estudou-a. E então, na madrugada do quinto dia, ele acordou-me com um grito e disse que aquela placa era um mapa do céu, indicando a rota de Marte à Terra.


“Mostrou-me como aqueles antigos exploradores do espaço haviam vindo de Marte à Terra, com escala na Lua... E terminaram arrebentando-se neste platô inóspito, no meio da selva, comentei. Mas será que naquela ocasião isso aqui era mesmo uma selva? disse Yeoward. Isso pode ter acontecido há cinco milhões de anos!


"Então observei que, para enterrar Roma, foram necessárias apenas algumas centenas de anos. Como esta máquina tinha onseguido ficar exposta à superfície por cinco mil anos ou cinco milhões, conforme ele estava dizendo? Yeoward disse-me que provavelmente não foi assim que aconteceu, explicando que a terra engole as coisas e depois as vomita. Um pequeno terremoto pode engolir uma cidade e uma simples peristalse nas entranhas do planeta pode fazer com que as suas ruínas aflorem novamente à superfície um milhão de anos depois. Isso é que deve ter acontecido com esta máquina de Marte...


“Falei que estava pensando em quem ia lá dentro. Yeoward disse que provavelmente eram criaturas alienígenas que não podiam suportar a vida na Terra e haviam morrido, se é que haviam conseguido escapar ao impacto. Nenhum esqueleto poderia sobreviver por tanto tempo.


“Acendemos uma fogueira e Yeoward foi dormir. Como eu acabara de acordar, fiquei de vigia. Mas para vigiar o quê? Eu não  fazia a menor idéia. Jaguares? Javalis? Cobras? Nenhum desses animais subia ao platô, porque nada havia ali para eles. Mesmo assim, inexplicavelmente, eu estava com medo.


“Aquele lugar possuía o peso dos tempos. Respeitem o que é velho, costumam dizer à gente... Quanto maior a idade, maior é o respeito, você poderia dizer. Mas acho que não se trata de respeito, pelo contrário: é o receio, o medo do tempo e da morte.. . Devo ter cochilado, pois o fogo estava quase acabando, eu tomara todo cuidado para mantê-lo vivo e brilhante, quando vi pela primeira vez os homens sem ossos.


“Observei, na margem do platô, um par de olhos que brilhava com o reflexo da fogueira quase extinta. É um jaguar, pensei, pegando o rifle. Mas não podia ser um jaguar, porque, ao olhar para a esquerda e para a direita, vi que todo o platô estava cercado por pares de olhos brilhantes, como se fosse um colar de opalas. E veio-me então ao nariz um cheiro de não sei o quê.


“O medo também cheira, como qualquer treinador de animais lhe poderá dizer. A doença também cheira... pergunte a qualquer enfermeira. Esses cheiros levam os animais saudáveis a lutarem ou a fugirem. O que eu sentia era uma combinação dos dois, somada ao fedor de vegetação apodrecida. Disparei contra o primeiro par de olhos que vira. Todos os outros olhos desapareceram então e da selva veio o ruído intenso de macacos e pássaros assustados, como se fosse o eco do meu tiro.


“Foi nesse momento que, graças a Deus, a madrugada começou a surgir. Não gostaria de ver à noite a coisa que eu alvejara entre os olhos. Era cinzenta, flexível e gelatinosa. Contudo, externamente, não se diferenciava muito de um ser humano. Tinha olhos e possuía vestígios, ou rudimentos, de cabeça, pescoço e algo parecido com pernas.


“Yeoward disse-me que eu devia controlar-me e superar minha reação infantil examinando a besta. Mas devo dizer que ele ficou longe quando finalmente comecei a examina-la. Como zoólogo da expedição, este era o meu trabalho e tinha que fazê-lo. Perderamos o microscópio e outros instrumentos delicados com as canoas, por isso trabalhei com uma faca e uma pinça. O que encontrei? Praticamente nada: uma espécie de sistema digestivo envolvido por um tecido gelatinoso, um sistema nervoso  rudimentar e um cérebro do tamanho de uma noz. A envergadura daquele ser era de apenas um metro.


"Se estivesse num laboratório, com um assistente ou dois fazendo-me companhia, poderia ter descoberto mais coisas... Mas do jeito que foi, com uma faca de caça e apenas uma pinça, sem os equipamentos necessários, nem ao menos um microscópio, procurando dominar a minha repugnância, fiz o máximo que podia, memorizando o que encontrava. Mas, quando o sol esquentou, a coisa se liqüefez, derreteu-se, até que, por volta de nove horas, só restava uma poça gelatinosa, com dois olhos verdes boiando nela... E esses olhos, posso vê-los agora, explodiram então, com um som seco, fazendo ondular aquela massa putrefata...


“Afastei-me dali, por bastante tempo. Quando voltei, o sol já queimara quase tudo, restando apenas aquela substância viscosa que a gente vê quando uma água-viva morta se evapora numa praia quente. Yeoward estava pálido quando me perguntou o que era aquilo. Disse-lhe que não sabia, que era algo inteiramente novo em minha experiência de vida até aquele momento. Declarei também que, apesar de ser um cientista, com uma mente analítica e obrigatoriamente indiferente, nada no mundo poderia fazer   com que eu tocasse novamente numa coisa daquelas.


“Yeoward disse-me: Você está ficando histérico, Goodbody. Assuma a atitude correta. Sabe muito bem que não estamos aqui  numa viagem de recreio. A ciência, meu caro, a ciência! Não se passa um dia em que um médico não ponha os dedos em coisas mais asquerosas do que essa. Eu disse: Não pense que é assim tão fácil, Professor Yeoward. Já peguei e dissequei animais bem estranhos, mas o que encontramos aqui é por demais repugnante. Devo admitir que estou bastante nervoso. Talvez devêssemos ter trazido um psiquiatra... Por falar nisso, notei que o senhor se mostra muito preocupado em ficar longe de mim depois que toquei nessa estranha criatura. Atirarei em outra com todo prazer, mas se quiser saber mais alguma coisa, vá examiná-la pessoalmente e compreenderá então o que estou sentindo.


“Yeoward disse que não poderia fazê-lo porque estava muito ocupado com a placa de metal. Não havia a menor dúvida, disse-me ele, de que a máquina que encontráramos viera realmente de Marte. Mas era evidente que ele preferia manter a fogueira entre nós, com medo de contaminar-se, depois que eu tocara naquela repugnante massa gelatinosa.


“Yeoward ficou cada vez mais ensimesmado, investigando as ruínas. Fui tratar da minha parte, que era investigar as diversas formas de vida animal que por ali existiam. Não sei o que poderia ter encontrado, se tivesse... não falo em coragem, pois era coisa que não me faltava... se tivesse, repito, alguém para fazer-me companhia. Sozinho, meus nervos não agüentavam.


“Aconteceu de manhã. Eu entrara na selva que nos cercava, procurando dominar o medo que sentia e afastar a sensação de repugnância que me dava vontade de fugir correndo dali e ao mesmo tempo me fazia recear virar as costas. Talvez você não saiba, mas de todos os animais da selva o mais difícil de se vencer é a preguiça. Ela encontra uma árvore, sobe nela e fica pendurada num galho ao qual se agarra firmemente com as suas doze garras fortíssimas. Ela come folhas e é tão resistente que, mesmo à morte, atingida com um tiro no coração, continua pendurada no seu galho. Sua pele é imensamente dura, coberta por cabelos grossos e emaranhados, formando uma crosta impenetrável. Uma pantera ou um jaguar nada conseguem diante da resistência passiva deste animal. Quando encontra uma árvore, só a deixa depois de comerlhe todas as folhas, procurando sempre para dormir um galho mais forte, que possa suportar o seu peso.


"Naquela selva que eu detestava, durante uma das minhas curtas expedições (eram curtas porque eu ia sozinho e sentia medo) parei para observar uma gigantesca preguiça pendurada no galho mais grosso de uma árvore, já quase sem folhas. Ela estava dormindo, tranqüilamente, indiferente a tudo. E então surgiu uma horda daquelas criaturas gelatinosas. Elas subiram na   árvore e foram até o galho onde estava a preguiça.


“Mesmo a preguiça, que geralmente não se assusta diante de nada, ficou apavorada. Tentou fugir, indo para a parte mais fina  do galho, que terminou quebrando. Ela caiu no chão e foi imediatamente coberta por uma massa de criaturas gelatinosas, todas tremendo. Os homens sem ossos, como sei agora que são, não mordem, eles sugam. E, ao fazê-lo, mudam de cor, passando do cinza para o rosa e depois para o marrom.


“Mas eles têm medo de nós. Deve ser algum problema de memória racial. Sentimos aversão por eles e eles por nós. Quando  notaram a minha presença trataram de se afastar, dissolvendo-se nas sombras da densa floresta. Fui dominado pelo horror e voltei correndo para o acampamento, com o rosto sangrando por ter esbarrado em espinhos e extremamente cansado.


“Yeoward estava lancetando o tornozelo. Embaixo do joelho, amarrara um torniquete. Ali perto, havia uma cobra morta. Ele a matara com a placa de metal, mas só depois que fora mordido. Ele me disse:  Que espécie de cobra é esta? Receio que seja venenosa. Estou sentindo uma dormência no rosto e em torno do coração e não consigo mais sentir as mãos. Informei-o então de que acabara de ser mordido por uma jararaca.


“E o pior é que perdemos todos os suprimentos médicos, comentou ele pesaroso. E ainda há tanto trabalho por fazer... Olhe,  meu caro colega, o que quer que me aconteça, peço-lhe encarecidamente que pegue esta placa e volte imediatamente.


“Entregou-me a placa semicircular, feita de um metal desconhecido, como se fosse um legado sagrado. Morreu duas horas depois. Naquela noite o cerco de olhos luminosos apertou-se. Esvaziei meu rifle várias vezes. De madrugada, os homens sem ossos  desapareceram.


“Cobri o corpo de Yeoward com pedras, para que os homens sem ossos não pudessem pegá-lo. Depois, sentindo-me terrivelmente sozinho e assustado, empacotei minhas coisas, peguei o rifle e tentei seguir a mesma trilha pela qual viéramos. Mas acabei  perdendo-me.


“Uma a uma as latas de comida foram acabando e o fardo que eu levava foi ficando mais leve. Depois larguei o rifle e a munição. Larguei até meu facão de mato. Muito tempo depois até a placa semicircular ficou muito pesada para mim. Amarrei-a com cipó numa árvore e continuei em frente.


“Finalmente alcancei o território Ahu, onde os nativos tatuados me abrigaram e me trataram muito bem. As mulheres chegavam a mastigar a comida para mim, antes de alimentar-me, até que recuperei as forças. Dos fardos que deixáramos ali, tirei  apenas aquilo de que precisava, deixando o resto como pagamento pelos guias e pelos homens que iam levar a canoa rio abaixo. E foi assim que saí da selva...


“Por favor, dê-me mais um pouco de rum.


Sua mão agora estava firme e ele bebeu de um trago, os olhos com uma expressão mais tranqüila. Eu então lhe disse:


— Aceitando a sua história como verdadeira, devo presumir que aqueles homens sem ossos eram, na verdade, marcianos? No entanto, não acha um pouco improvável? Será que os invertebrados podem fundir metais duros e...


— Mas quem falou que eles eram marcianos? — gritou o Dr. Goodbody. — Não é nada disso! Os marcianos chegaram aqui e logo se adaptaram às novas condições de vida. Mas é evidente que mudaram e chegaram a um ponto bem baixo, passando então por todo um processo novo, um lento e difícil processo de evolução. O que estou tentando dizer-lhe, seu tolo, é que Yeoward e eu não descobrimos marcianos. Será que não entende, seu idiota? Aquelas criaturas sem ossos eram homens. Nós é que somos os marcianos!

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